Com o advento da realização do Pentálogo XI, o Ciseco elaborou uma série de entrevistas com os conferencistas do evento deste ano, a fim de elucidar aspectos da temática “Pandemia: sentidos em disputa”, que serão desenvolvidos nas conferências, ao longo do evento. Seguindo com o ciclo de estudos, o Ciseco entrevistou o Prof. Dr. Rocco Mangieri, que ministrará a próxima conferência do Pentálogo XI, no dia 24 de novembro, às 14h, no canal do Ciseco no YouTube.
A conferência pode ser acessada clicando aqui.
Rocco Mangieri é Arquiteto e semiólogo, estuda história da arte na Universidade de Roma. Se especializou em semiótica (DAMS, Universidade de Bologna) com Umberto Eco, Paolo Fabbri y Omar Calabrese. Tem doutorado em Ciências Sociais (Universidade Central da Venezuela) e em Semiótica e Filologia (Universidade de Murcia). Tem sido Bolsista da Universidade de Urbino. Dirige o laboratório de semiótica e socioantropologia da Facultade de Artes da Universidade de Los Andes. Atualmente é professor visitante na Universidade de Módena, Departamento de Meios e Comunicação. Membro do Ciseco desde sua fundação e da fundação da Associação Internacional de Semiótica - IASS. Muitos de seus textos estão disponíveis clicando aqui.
A programação completa está disponível aqui.
Eis a entrevista.
Ciseco - Qual a importância que tem o tema gera do Pentálogo XI, segundo o seu ponto de vista de um pesquisador da sua área de conhecimento?
Rocco Mangieri - A importância do tema se deve ao fato de ser um tema que está aí, é impossível deixar de lado o impacto da pandemia em relação a toda sociedade e, basicamente, a todo o planeta. Além disso, eu diria que, de alguma maneira, como veremos, a pandemia é uma coisa e a Covid é outra. A Covid-19 é um elemento, como diria Lottman, da biosfera, é uma alteração da biosfera, que leva a um raciocínio semiológico, mas também ecossemiótico.
Por isso, a ecossemiótica, agora, de uma forma também um pouco estranha, talvez hipócrita, se põe em primeiro plano na semiologia, quando isso deveria ter ocorrido muito antes. E a semiótica também segue tendências de moda, lamentavelmente, mas não em tudo. Inclusive, e não por alguma razão estranha, eu creio que o grupo do CISECO não se rende a essas modas que a semiótica transformou em uma prática comum na exploração da cotidianeidade, do dia-a-dia, se envolver sobre os componentes mais essenciais, eu diria míticos.
Então, a pandemia tem um impacto, eu diria, também por lotar todos os discursos nas redes, um macrodiscurso impressionante, abarcando todas as nossas vidas, além de construir um mundo de narrativas. A Covid produziu na semiosfera, no âmbito dos discursos sociais, como diria Verón... A Covid gerou uma semiose social que parece nova, mas que para mim não é. Por isso, acredito que a importância de se debruçar sobre o tema da pandemia é, por um lado, um feito de concordância, de homogeneidade com as outras disciplinas que também colocaram esse problema em primeiro plano, que além de tudo possui uma fulguração e uma evidência impressionantes.
Decorridos 2 anos de pandemia, como o senhor avalia o desdobramento de discursos em disputas sobre a pandemia, segundo os ângulos dos estudos que o senhor realiza?
Acredito que, evidentemente, a pandemia provocou vários efeitos, mas destaco dois ou três. O primeiro é, eu creio, um signo revelador, e não sei se posso chamá-lo, nos termos da semiótica peirceana, de uma espécie de índice, por que produziu uma dinâmica, uma série de práticas semióticas que não são novas, mas que possuem uma maior tensão e uma maior intensidade, que é o tema do mal-estar. Acredito que seja o mal-estar do mundo, que fora tocado, houve um “toque”, uma fricção, como diria Roland Barthes, sobre a semiosfera, que na realidade é o tema, se preferir do ponto de vista semântico, do mal-estar global.
O mal-estar que na Europa, a partir desse ponto de vista, se mostra mais intenso desde a queda do Muro de Berlim, que gerou um período histórico diferente. Acredito que a queda do Muro de Berlim pode ser vista a partir da longue duréé, longa duração de Braudel, como um início, embora eu esteja completamente seguro disso, mas um início dessa onda histórica. Dessa forma, o que chamam de “primeira onda” e “segunda onda” e “terceira onda” da Covid, se inscreve como uma frequência de ondas incluída nessa grande onda que começa com a Queda do Muro de Berlim, e que ainda não passou.
Mas o que caracteriza essa onda é o mal-estar do mundo, e a partir disso quero retomar um texto de Pierre Bourdieu, um sociológo excelente que eu recomendo a todos que o leiam, e que inclusive fora traduzido para o português no Brasil, e que se chama “O Mal Estar do Mundo”, por que eu acredito que este é um tema importante para nós, o do mal estar, o disagio em italiano, ou discomfort em inglês, este é um tema importante, eticamente muito importante.
Quais são os ângulos principais que o senhor vai abordar na sua conferência?
Acredito que a pandemia foi reveladora, um signo de fricção sobre aspectos que, de alguma forma, estavam em segundo plano. Por exemplo: na Europa, sobre a qual tratarei um pouco em minha fala, há, por um lado, o discurso do pacto social, do welfare state e do bem-estar social; mas, na realidade, e não se fala disso, claro, há também uma pobreza crítica, uma falta de aproximação intelectual e filosófica das pessoas, e também um problema de medo que é anterior à pandemia, ou seja, o medo e a incerteza são elementos interessantes, e também a confiança, são três figuras semióticas importantíssimas para mim.
A incerteza da vida, a confiança, ou seja, confiar em quem?, e, por último, o medo – inclusive há várias histórias de medo que são interessantes. Essas figuras semióticas atravessam a semiose social européia mais do que em outros lugares do mundo, como, por exemplo, na América Latina; lá isso é muito mais intenso, por que foi mais silencioso. O que pandemia fez, ela foi como uma catálise, e em uma conferência tratarei de dar um perfil mais semiológico.
Mas, sim, desde o ponto de vista de Verón foi um efeito da produção e do reconhecimento, por que, a partir da produção pura, houve um ocultamento não tanto da informação, mas, sim, das próprias incertezas dos governos, por que creio que o que se demonstrou, como Foucault havia dito há muitos anos atrás, é que a missão de um estado como ator principal é a de conservar a ordem e evitar o caos, e para isso, evidentemente, a informação deve ser manejada, deve ser filtrada, se deve criar uma espécie de espécie de sentido comum, e cujo único feito foi aumentar a intensidade do disagio, do mal estar.
Na sua opinião, qual a contribuição deste evento para o avanço dos estudos que envolvem pandemia e comunicação?
A abordagem deste evento, acredito que esteja nisso, em tratar de ir fundo, de ir muito mais a fundo, além de abordar temas particulares, como por exemplo dos media, de arte e pandemia, de política e pandemia, etc. Eu acredito que seja um tema ético e político, e acredito que o nós devemos fazer é abordá-lo dessa forma, e nos unir a sociólogos e filósofos que já haviam falado disso antes. Por exemplo, não se pode pensar em retornar uma “normalidade”, por que há diferenças importantes, políticas e econômicas, a semiose social européia não é unitária, por exemplo.
Mencione referências de trabalhos sobre o tema pandemia e comunicação.
Quanto às referências que trabalham com o tema da pandemia e da comunicação existem várias, e tratarei de indicá-las na minha conferência; mas acredito que, por exemplo, os trabalhos que se produziram especificamente na Argentina, no Brasil e também na Europa, tem sido muito importantes. Para mim o mais interessante tem sido produzido na América Latina, talvez pela distância e por uma espécie de semiose social que é distinta.