A obra reúne 12 textos, de 14 autores, organizada por Paulo César Castro, em formato de livro eletrônico (e-book) e em PDF. O download pode ser feito AQUI.
Este é oitavo livro lançado pelo CISECO a partir dos eventos que realiza anualmente, sobre diferentes temas a partir da interface entre comunicação e semiótica.
- 2018 – Circulação discursiva e transformação da sociedade, organizado por Paulo César Castro (Eduepb – em formato e-book, disponível para download AQUI)
- 2017 – A circulação discursiva: entre produção e reconhecimento, organizado por Paulo César Castro (Edufal)
- 2016 – Vigiar a vigilância: uma questão de saberes, organizado por Paulo César Castro (Edufal)
- 2015 – Dicotomia público/privado: estamos no caminho certo?, organizado por Paulo César Castro (Edufal)
- 2014 – A rua no século XXI: materialidade urbana e virtualidade cibernética, organizado por Paulo César Castro, Antonio Fausto Neto, Antonio Heberlê, Eliseo Verón, Laura Guimarães Corrêa e Pedro Russi (Edufal)
- 2013 – Internet: viagens no espaço e no tempo, organizado por Eliseo Verón, Antonio Fausto Neto e Antonio Luiz O. Heberlê
- 2012 – Transformações da midiatização presidencial: corpos, relatos, negociações, resistências, organizado por Antonio Fausto Neto, Jean Mouchon e Eliseo Verón (Difusão Editorial)
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Eis o sumário do livro:
Agradecimentos
Apresentação – Entre a representação e a participação: limites e possibilidades da democracia em tempos de midiatização
¿Crisis de la democracia representativa? mediatización y circulación
Mario Carlón
Discurso de posse do novo presidente: vínculos, imaginários e coletivos
Antônio Fausto Neto
Midiatização & democracia: sistemas de relações no ambiente social
José Luiz Braga
Contacto e invocación: figuras del liderazgo y escenas de representación política presidencial en la Argentina del siglo XXI
Mariano Fernández
Polarização e insatisfação midiatizadas no capitalismo comunicacional: como manter a democracia?
José Luiz Aidar Prado
Imaginário político e identidades no Brasil de 2013 a 2018: entre o sentido e o verbo
Gustavo Said
Relaciones entre mediatizaciones, democracia y sociedades divergentes: apuntes sobre textos encontrados en el Archivo de Eliseo Verón
Gastón Cingolani, Suzanne de Cheveigné, Natalia Raimondo Anselmino y Mariano Fernández
“Fake news”: as estratégias discursivas da desinformação nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil
Fernanda da Escóssia
A saúde no processo de “uberização da vida”: a (não) alternativa como dispositivo de interpelação que regula e reforça as estratégias de oligopolização do poder
Wilson Couto Borges e Rodrigo Murtinho M. Torres
Cientista e jornalista, a dupla hélice para compartilhar fazeres e democratizar saberes
Carlos Alberto dos Santos
Midiatização e história da circulação do discurso sobre a ciência na França
Suzanne de Cheveigné
De olimpianos/públicos a celebridades/coletivos: uma análise conceitual acerca da trajetória da sociedade dos meios à sociedade em midiatização
Aline Weschenfelder
Antecipamos aqui o texto de apresentação do livro:
APRESENTAÇÃO
Entre a representação e a participação: limites e possibilidades da democracia em tempos de midiatização
O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente
ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver.
Reinventemos, pois, a democracia antes que seja demasiado tarde.
E que a universidade nos ajude. Quererá ela? Poderá ela?
José Saramago
A crise econômica de 2008 teve consequências de alcance global, afetando países, em menor ou maior grau, nos quatro cantos do mundo. Mas uma das versões mais drásticas do colapso financeiro do banco americano Lehman Brothers sobrou para a Islândia. Até então o pequeno país nórdico, de pouco mais de 300 mil habitantes, era exemplo de estabilidade econômica, com taxa de desemprego de 1% em 2007 (uma das menores da Europa) e a 17ª melhor posição no ranking mundial de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em pouco tempo, porém, sua população sentiu os dissabores da hecatombe iniciada no centro do capitalismo mundial, com o desemprego chegando a 8,3% três anos depois, reduções salariais, cortes na saúde e educação, aumento de preços, encolhimento do PIB em 11% e colapso do seu sistema bancário, entre outras mazelas. Com o arroxo sobre a população, condição do FMI para um empréstimo bilionário, vieram os protestos contra o governo, que levaram à renúncia do primeiro ministro e a novas eleições. Mas os islandeses estavam insatisfeitos com muito mais coisas, e queriam, na verdade, substituir a Constituição de 1944, adotada após a independência da Noruega.
A elaboração de uma nova carta constitucional, a partir do final de 2010, cujos princípios básicos foram formulados por um grupo de 950 membros sorteados entre todos os eleitores do país, teve como aspecto inovador a participação da população islandesa através da internet, principalmente via Facebook, Twitter, YouTube e Flickr. Os habitantes da ilha, um pouco maior que Pernambuco (mas população 30 vezes menor), não apenas puderam comentar cada rascunho de artigo, mas também enviar sugestões, além de acompanhar as sessões de trabalho do conselho formado por 25 membros eleitos, através de fotos, vídeos e entrevistas. Foram recebidas cerca de 3.500 propostas e, depois de incorporadas algumas delas, o texto final foi submetido em outubro de 2012 a um referendo, através do qual 67% da população manifestaram sua aprovação.
A experiência inédita de elaboração de uma Constituição colaborativamente através da internet representou, para alguns analistas, um exemplo claro de democracia direta, enquanto para outros – inclusive de quem fez parte do conselho que recebeu as sugestões dos cidadãos islandeses – significou apenas uma forma mais participativa de democracia. Descontadas as divergências sobre como denominar o tipo de envolvimento dos cidadãos, não há como deixar de levar em conta também a contribuição das Tecnologias de Informação e Comunicação para o processo. E, neste sentido, a Islândia reunia uma série de características capazes de transformar a web em um ambiente político crowdsourcing – quase 100% da população tinha acesso à internet e 80% dos adultos eram usuários do Facebook –, além, é claro, da disposição do conselho em realizar seu trabalho de forma transparente, abrindo-se às contribuições da população. Contaram ainda a favor o tamanho pequeno da população, coesa socialmente, totalmente alfabetizada e com altas taxas de participação política através da filiação a partidos.
No contexto de crescentes manifestações de descrédito e insatisfação com a democracia representativa, é recorrente o apelo à criação de novas formas para ampliar a participação dos cidadãos ou até mesmo à implementação da democracia direta. As reclamações têm manifestado que não é mais suficiente a possibilidade de envolvimento apenas através da escolha de representantes a cada nova eleição, principalmente porque os eleitos estariam representando cada vez menos seus eleitores. A crise (ou o fim) da democracia representativa, aliás, já tinha sido objeto da atenção de Umberto Eco quando de sua entrevista, em 2009, a Eliseo Verón, para o Pentálogo I.
Eu estou profundamente convencido de que há uma dezena de anos nós celebramos o fim da democracia representativa. Eu não conto isso para todos porque eles ficariam um pouco confusos. Mas é preciso finalmente que eu diga, uma vez que eu possuo este segredo. Tome por exemplo os Estados Unidos: lá, apenas metade dos cidadãos vota. Dessa metade dos cidadãos, 25% votam por um partido, por um presidente. Este presidente não foi escolhido pelo povo, mas sim pelo aparato, pelo aparelho do partido; uma escolha feita com base na capacidade do candidato de se apresentar perante o grande público. Portanto, o tipo que governa os Estados Unidos foi votado por 25% da população a partir de uma escolha puramente emocional sustentada por uma campanha interna, um grupo do poder. Nesse ponto, diga-me: qual é a diferença entre a democracia americana e o stalinismo onde um grupo do poder decide quem será votado pela maioria dos cidadãos, e ele será votado? Existe uma diferença fundamental. São os grupos de pressão. Os Estados Unidos são uma democracia porque há ainda o New York Times. Há o lobby da indústria de armas, o lobby dos ecologistas, o lobby dos cristãos científicos. Há todos esses grupos de pressão que controlam continuamente o governo de maneira aberta e o criticam. Em face da ditadura stalinista, os Estados Unidos são uma democracia pela presença de grupos de pressão, não pelo fato de serem uma democracia representativa. (VERÓN, 2012, p. 17)
O Brasil vive sob uma democracia o seu período mais longevo, mas uma retrospectiva mostra que a alternância entre momentos autoritários e democráticos é a marca da nossa história política. Desde 1985, quando saiu de uma ditadura militar, o país se abriu a experiências constitucionais mais participativas, estabelecidas pela Carta Cidadã de 1988 – com a previsão de realização de plebiscito, referendo e iniciativa popular, através da qual a sociedade civil pode submeter projetos de lei à votação no Congresso –, e empreendimentos como o elogiado e copiado orçamento participativo de Porto Alegre em 1989. Mesmo com todo esse arcabouço democrático, ainda assim as práticas democráticas podem sofrer uma enorme degradação, principalmente quando, após uma eleição, os representantes resolvem governar apenas para a “maioria” que lhe elegeu e deteriorar os direitos das minorias, exatamente aquelas que mais estão à margem da sociedade e mais precisam do Estado.
O exemplo da Islândia pode ser um farol a iluminar novas possibilidades de participação popular nas decisões que afetam os destinos de toda uma nação. Mas, complementarmente, mostra como os processos de midiatização possibilitados pela internet – afetando atores individuais e institucionais – transformaram radicalmente as relações entre governantes e governados, representantes e representados, governo e população. Em toda a história de pouco mais de 200 anos da democracia representativa nunca tinha sido tão fácil a qualquer cidadão manifestar-se, sem ter que esperar uma nova eleição, sobre as ações políticas daqueles que escolheu para representá-lo. Se nessas condições tecno-comunicacionais está o germe da volta da isegoria grega – quando, na Atenas dos séculos V e IV, a todos os presentes à eclesia (assembleia dos cidadãos) era garantido o direito de manifestação sem interrupção sobre os assuntos da polis – ou da ideia de democracia que não aliene a soberania e a autonomia dos indivíduos pensada por Rousseau, ainda não é possível dizer. Mas uma escuta mais atenta por parte dos representantes ao que está sendo dito pelos representados não deveria se limitar apenas ao período das campanhas eleitorais. Muito está sendo dito agora, neste momento. Ou foi dito antes e quase ninguém ouviu.
O CISECO, no entanto, está atento ao problema e, por isso, se dispôs a discuti-lo durante o Pentálogo IX, em 2018. Através do tema do evento, o mesmo título deste livro, pretendeu-se examinar as incidências da midiatização nas configurações da democracia representativa no contexto atual do capitalismo de plataforma, levando em conta fenômenos que já despontavam na primeira década dos anos 2000, como consequência do surgimento de uma arquitetura comunicacional cujas lógicas e operações de funcionamento já produziam interações – muitas delas inéditas – entre práticas sociais diversas. Na justificativa de realização da nona edição do Pentálogo, o cenário de afetações da midiatização sobre a política é tido como muito mais amplo:
A midiatização não se trata da reedição de velhos paradigmas causalistas que orientavam as pesquisas de opinião sobre as preferências eleitorais por parte de públicos. Aponta-se, agora, interpenetrações de práticas de vários sistemas, envolvendo empresas digitais midiáticas, financeiras, pesquisas, instituições acadêmicas e partidos políticos. A referência mais atual tem a ver com o acesso e manipulação de dados de usuários de contas do Facebook, e transformados em mensagens segundo apelos distintos, para diversos setores de um novo mercado político-eleitoral, no cenário norte americano. Não se trata de uma interferência abstrata das tecnologias digitais no âmbito da política, pois delas se ocupam instituições de várias naturezas para organizar e regular decisões e escolhas de mercados diversos, segundo lógicas algorítmicas.
Estas transformações dizem também respeito a uma atividade sistêmico-organizacional mais ampla na qual se promove alianças entre “velhos e novos meios”, enquanto operadores complexos que articulam estratégias discursivas que são enunciadas em tempo real, ofertando sentidos em torno de temas, como os do impeachment da presidente e a condenação de ex-presidente, no contexto brasileiro. As mídias acentuam seu papel de reconfiguradoras de agendas mais amplas que envolvem sua relação com a política. A televisão, através de campanha nacional, trata de coletar opiniões de indivíduos sobre temas nacionais e cujo tratamento dos seus conteúdos pode ser gerado possível dossiê para orientar ações do futuro presidente eleito.
Dar conta das múltiplas questões que envolvem a democracia representativa não é trabalho para um evento só e não apenas para um grupo de 15 pesquisadores, por mais qualificados que sejam. Mas pensada a partir do fenômeno da midiatização, os trabalhos aqui reunidos servem como importantes reflexões, orientadas pelas proposições que nortearam o argumento a favor da realização do Pentálogo:
a) O trabalho da midiatização vai além de uma dimensão determinística, chamando atenção para a diversidade sócio-comunicacional que se manifesta em torno de feedbacks complexos e não lineares. Significa que processos interacionais envolvem movimentos relacionais que vão além de lógicas de ofertas midiáticas, considerando também aqueles que emanam de instituições de várias naturezas.
b) As dinâmicas da midiatização que envolvem as reconfigurações da democracia representativa devem ser estudadas na própria processualidade das interações, pois as articulações entre fenômenos midiáticos e não midiáticos são caracterizadas por tensões e contradições importantes.
c) Devemos buscar novos caminhos metodológicos para aceder aos processos através dos quais sistemas sociais e sócio-individuais se apropriam de fenômenos midiáticos para assegurar suas próprias atividades auto-organizantes. E, de modo especial, face à complexidade do tema e do objeto deste Pentálogo, devemos “concentrar nossos esforços na compreensão de regras que dão formas às múltiplas estratégias ativadas por sistemas sócio-individuais (indivíduos) para fazer frente a um ambiente crescentemente midiatizado” (VERÓN, 2015, p. 181).
O leitor que se aventurar pelas páginas desse livro vai encontrar, inicialmente, o texto de Mario Carlón, intitulado “¿Crisis de la democracia representativa? mediatización y circulación”, no qual o pesquisador argentino se propõe a analisar como as novas condições de midiatização e circulação do sentido afetam a democracia contemporânea. Entretanto, desde o primeiro parágrafo ele aponta a dificuldade da tarefa através de dois motivos principais. Em primeiro lugar, porque, por ser muito recente o desencadeamento dos processos de circulação e midiatização, é muito difícil saber como eles transformarão a democracia representativa. E em segundo, porque, diante da transformação vertiginosa do sistema de mídia e da condição sempre aberta e em reformulação constante da democracia como forma de governo e sociedade, a complexidade das variáveis a considerar é demasiada grande.
Na sequência o interesse recai sobre o discurso de posse do presidente Jair Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019, no texto “Discurso de posse do novo presidente: vínculos, imaginários e coletivos”, do professor da Unisinos Antônio Fausto Neto. Baseado em algumas hipóteses, o trabalho do presidente do CISECO destaca a suspeita de que o discurso presidencial assume características de “‘fala-exortação’ dirigida para múltiplos coletivos – seguidores, adversários e indecisos etc. – que se apoia em lógicas de um protocolo interacional segundo as quais o presidente fala mais para comandados do que para os que nele votaram”. Assíduo usuário das redes sociais online, a partir das quais constrói um verdadeiro “bunker discursivo”, o mandatário regula a palavra, “especialmente as possibilidades de reconhecimento e de acesso daqueles que com ele desejariam criar vínculos”.
José Luiz Braga, no texto “Midiatização & democracia: sistemas de relações no ambiente social”, escolhe como caminho de reflexão os pontos de tensão que a democracia sofre a partir da midiatização, principalmente porque, para ele, “as novas tecnologias são experimentadas nos processos eleitorais, deliberativos, reivindicatórios, de políticas públicas”. O pesquisador avisa que seu interesse recai principalmente sobre as políticas interacionais da sociedade, e a democracia é tomada como um dos macrodispositivos interacionais, “na medida em que se organiza como critério de aceitabilidade e de contorno para os sistemas de relações aí ocorrentes”.
Em “Contacto e invocación: figuras del liderazgo y escenas de representación política presidencial en la Argentina del siglo XXI”, Mariano Fernández analisa o contraste entre as lógicas de comunicação política presidencial, a partir da comparação das cenas de representação – tomadas como exercício da representação política através da combinação entre um modo de se vincular aos representados, de uma forma predominante de cidadania figurada e de um recorte possível do conjunto da população representável – que colocaram em prática dois dirigentes presidenciais argentinos, Cristina Kirchner e Mauricio Macri. Fernández defende a hipótese de que, na diferença de construção da figura do líder nos dois casos, a coincidência de fundo é que ambos constroem vias alternativas para contornar a intermediação das instituições midiáticas.
O artigo de José Luiz Aidar Prado – “Polarização e insatisfação midiatizadas no capitalismo comunicacional: como manter a democracia?” – anuncia desde o primeiro parágrafo que a democracia “tem enfrentado um rebaixamento nos últimos anos no mundo e no Brasil”. As razões para tal quadro ele se dispõe a avaliar a partir de dois eixos: um de natureza estrutural, que considera o sistema capitalista mundial como capitalismo comunicacional, e outro conjuntural, que tem a ver com a “situação da democracia brasileira desde a Nova República”. Ao primeiro estão associados fenômenos como o ambiente comunicacional em rede instituído pelas grandes empresas de tecnologia digital, responsável pelo descrédito de políticos, intelectuais e jornalistas; e o segundo tem a ver com a “reação dos movimentos à direita contra as lutas democráticas que ocorreram no mundo entre 2011 e 2013 e mais especificamente no Brasil em junho de 2013”.
A questão do Pentálogo IX é enfrentada por Gustavo Said tomando os aportes do imaginário – especificamente o político no Brasil – para entender “a reconfiguração das identidades individuais e coletivas”. No texto “Imaginário político e identidades no Brasil de 2013 a 2018: entre o sentido e o verbo”, o autor passa por acontecimentos políticos como os protestos de junho de 2013, as manifestações de 2014, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro. Em todos, ele vislumbra que a disputa pelo e no poder passa pelo imaginário, através da produção, agenciamento, significação e valorização de imagens. Sobre elas agiram operações simbólicas de cunho político-partidário, cujo resultado foi que “a crença de que o passado é condenável e de que o futuro redimirá o país recupera o discurso salvacionista, de cunho religioso, que desembocou, durante a eleição de 2018, numa forma de coesão grupal com requintes de fanatismo, proclamando o enterro dos partidos e o fim da história política”.
No texto “Relaciones entre mediatizaciones, democracia y sociedades divergentes: apuntes sobre textos encontrados en el Archivo de Eliseo Verón”, Gastón Cingolani, Suzanne de Cheveigné, Natalia Raimondo Anselmino e Mariano Fernández buscam mostrar como, no projeto do livro Les Societés Divergentes, encontrado nos arquivos pessoais do presidente de honra in memoriam do CISECO, ele deixou contribuições à abordagem sobre midiatização, democracia e divergência das sociedades. Já Fernanda da Escóssia dirige seu foco ao impacto das fake news sobre a votação durante as eleições presidenciais de 2018. Em “‘Fake news’: as estratégias discursivas da desinformação nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil”, ela se propõe a avaliar como a política e a democracia representativa, a partir da midiatização e dos novos modos de circulação de sentido, são ressignificadas, podendo até ter seus valores institucionalizados erodidos.
Tomando a saúde “como política pública, campo, prática social que se estrutura nos espaços de construção da democracia representativa e da midiatização”, Wilson Couto Borges e Rodrigo Murtinho M. Torres traçam um percurso para tratar do avanço da agenda neoliberal e dos protocolos tecno-midiáticos sobre a liberdade individual de ter um plano de saúde ou sobre a briga pela saúde como um direito. Em “A saúde no processo de ‘uberização da vida’: a (não) alternativa como dispositivo de interpelação que regula e reforça as estratégias de oligopolização do poder”, os pesquisadores da Fiocruz abordam o empreendedorismo como base do argumento de quem, tendo o direito à aquisição de um plano de saúde como parte de sua autorresponsabilidade, “briga pelo direito do Estado não ter que se responsabilizar pela saúde de sua população”.
Em “Cientista e jornalista, a dupla hélice para compartilhar fazeres e democratizar saberes”, Carlos Alberto dos Santos se propõe a abordar a democratização do conhecimento científico. Para tal, discute os diferentes objetivos da divulgação científica e do jornalismo científico a partir de sua experiência pessoal nas revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças. Assim como Santos, Suzanne de Cheveigné também dá atenção ao saber científico, especialmente aquele que ganha corpo “nos discursos a respeito das ciências destinados ao grande público, cujo enunciador pertence ou não à instituição científica, frequentemente um ou uma jornalista”. Ao abordar também a instituição científica, em “Midiatização e história da circulação do discurso sobre a ciência na França”, a professora do Centro Norbert Elias mostra como, a partir dos anos 1980, todos os meios de comunicação vão dominando a construção dos discursos sobre a ciência.
No artigo “De olimpianos/públicos a celebridades/coletivos: uma análise conceitual acerca da trajetória da sociedade dos meios à sociedade em midiatização”, Aline Weschenfelder analisa como, em um novo contexto tecno-comunicacional, “os atores sociais se mesclam enquanto operadores, posto que amadores ou peritos transformam-se em produtores de conteúdo” e, sem a dependência dos mediadores profissionais, alcançam o status de celebridades.
Finalizada a leitura dessas contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, o CISECO espera ter atendido, por mínimo que seja, o apelo que o escritor José Saramago fez na epígrafe que abre esse texto. E à pergunta dele sobre se a universidade quererá ajudar neste esforço, a resposta certamente será SIM! Mas se poderá ajudar, a decisão, em termos do Brasil de hoje, ainda depende do quanto a universidade conseguirá lutar contra a deterioração do seu ambiente democrático.
Referências
SARAMAGO, José. Outros cadernos de Saramago. Site da Fundação José Saramago. Disponível em: <https://caderno.josesaramago.org/48889.html>.
VERÓN, Eliseo. Entrevista Umberto Eco, por Eliseo Verón. In FAUSTO NETO, Antonio; MOUCHON, Jean; VERÓN, Eliseo (orgs.). Transformações da midiatização presidencial: corpos, relatos, negociações, resistências. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editorial, 2012.
VERÓN, Eliseo. Teoria de la mediatización: una perspectiva semio-antropológica. CIC Cuadernos e Información y Comunicación, v. 20, p. 173-182, 2015.